Para o geofísico paraense, membro do Instituto de Energia e Meio Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP) e do movimento RPNSAR Energia, Gabriel Lobato Cardoso, é preciso debater a transição energética na Amazônia sem ignorar a realidade local.
“A transição energética em países em desenvolvimento, de modo geral, enfrenta desafios relacionados ao equilíbrio entre os eixos social, econômico e ambiental. Isto porque medidas ambientais para o alcance da neutralidade de carbono por vezes ignoram as realidades locais, tendo assim o potencial de perpetuar diferenças sociais e econômicas pré-existentes”, observa, acrescentando que tal contexto pode se agravar quando se opta por soluções em escala macro ao invés de regionalmente diversificadas.
De acordo com o membro do IEE-USP, no Brasil, esse cenário se torna ainda mais complexo quando projetada uma transição energética que impactará diretamente o setor elétrico amazônico, caracterizado pela insegurança energética, dependência de combustíveis fósseis e carência de acesso universal.
“Tais aspectos influem no desenvolvimento socioeconômico da Região Amazônica e, sob uma ótica local, podem ser interpretados como desafios para a sustentabilidade a longo prazo da transição regional”, explica.
Para Cardoso é preciso dimensionar as peculiaridades do setor elétrico na região amazônica para projetar uma transição sustentável, um assunto ainda pouco debatido sobretudo no contexto nacional, segundo o especialista.
“A transição energética justa, na região amazônica, tem vários desafios. Um deles é a insegurança no abastecimento elétrico em áreas remotas da região, o que gera uma demanda reprimida não só em termos de expansão das atividades econômicas, mas também na internalização do atendimento à saúde, alimentação e direito à educação”, aponta.
“Um outro desafio é a falta de universalização de acesso à eletricidade para mais de 990.100 habitantes da Amazônia Legal. Essa população encontra-se distribuída em terras indígenas, comunidades quilombolas, unidades de conservação ambiental, assentamentos rurais e demais zonas não demarcadas, nas quais o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) varia entre 0,4 e 0,6 (sendo o último o valor médio para a Região Norte como um todo). Para efeito comparativo, a Região Sudeste, caracterizada pelo seu alto suprimento energético, possui IDH entre 0,76 e 0,8, em dados de 2021”, enumera.
Segundo o especialista do IEE-USP, o Pará é o estado mais impactado, com 409.593 habitantes sem acesso a eletrificação, dos quais 98.416 residem em três dos municípios com os menores IDH do Brasil – Portel (0,483), Bagre (0,471) e Melgaço (0,418), na Ilha do Marajó.
“Adicionando-se a esse cenário, tem-se a carência de infraestrutura de transmissão e distribuição pela Amazônia da hidreletricidade produzida na região. E isso contrasta com o fato de a Região Norte ser a segunda maior produtora de hidreletricidade no Brasil e o Pará o segundo maior estado produtor, permanecendo atrás do Paraná pela usina hidrelétrica de Itaipu”, observa.
Segundo Cardoso, a energia elétrica gerada na região acaba voltada para o atendimento das regiões Centro-Oeste e Sudeste e deixa de ser direcionado para a Amazônia. “E ainda assim, a região permanece com a maior tarifa média do país, correspondendo a R$ 733/MWh em 2023”, destaca. “Isso abala a perspectiva de alcance de parâmetros de justiça energética, promovendo, assim, bolsões de pobreza energética na região”, acrescenta.
Para o especialista do IEE-USP, a transição sustentável do setor elétrico amazônico está umbilicalmente ligada ao desenvolvimento socioeconômico de sua população.
“Considerar e propor medidas resolutivas para essa série de desafios interdependentes e característicos da Amazônia são as chaves para viabilizar a tão debatida transição, entendendo que medidas generalistas e transplantas tendem a desconsiderar as peculiaridades regionais e podem agravar as atuais dualidades de seu panorama energético”, conclui.